
Um olhar psicanalítico sobre a resistência em reconhecer a própria falha
Pedir desculpas parece, à primeira vista, um gesto simples. Uma palavra, um olhar, talvez um abraço. E, no entanto, para muitos, essa é uma das tarefas mais difíceis nas relações humanas.
Por quê? O que, afinal, impede alguém de dizer sinceramente: “Eu errei”?
Na superfície, costumamos ouvir explicações como orgulho, medo de rejeição, vergonha ou teimosia.
Mas a psicanálise nos convida a ir além dessas justificativas imediatas, mergulhando nas camadas mais profundas do psiquismo, onde os mecanismos inconscientes operam silenciosamente.
O narcisismo ferido: quando errar é intolerável
🪞 Errar, para o Eu narcísico, é uma ameaça à própria identidade.
Freud nos apresentou o conceito de narcisismo como parte estrutural da constituição do Eu. Todos precisamos manter uma imagem valorizada de nós mesmos. No entanto, quando essa imagem é muito idealizada, qualquer falha pode provocar um colapso interno.
Pedir desculpas, nesse contexto, é mais do que reconhecer um equívoco: é admitir que não somos perfeitos, que falhamos, que causamos dor. Para muitos, isso é vivido como uma humilhação intolerável.
A culpa e o Supereu implacável
⚖️ Quando o Supereu é severo demais, admitir a culpa se torna insuportável.
A instância moral que habita nosso psiquismo pode funcionar como um juiz cruel, impedindo o sujeito de lidar com a própria falha de forma saudável. Nessas situações, a pessoa prefere negar o erro a enfrentá-lo.
O silêncio, então, passa a ocupar o lugar da palavra que poderia reparar.
A vergonha de Ser Humano
🫣 Pedir desculpas é aceitar que somos vulneráveis.
Lacan nos lembra que o sujeito é dividido por estrutura — nunca completo, sempre faltante. Errar faz parte da nossa condição, mas muitos aprenderam, ainda na infância, que falhar era perigoso, punido ou motivo de rejeição.
Essa marca subjetiva se transforma em vergonha — um afeto que paralisa e silencia.
O pedido de desculpas como ato analítico
🧠 Na psicanálise, quando alguém diz “eu me responsabilizo”, algo novo nasce.
O pedido de desculpas não é um automatismo social, mas um ato simbólico que emerge de um processo interno: reconhecer-se como autor de um efeito no outro.
Essa implicação subjetiva é libertadora. Não porque isenta de culpa, mas porque transforma a culpa em responsabilidade.
O perdão começa no reconhecimento
✨ Pedir desculpas é um gesto ético.
É reconhecer que o outro existe, sente e foi afetado por nós. É sair do narcisismo e se colocar em relação.
Na escuta psicanalítica, aprendemos que a fala tem poder de cura. E há algo profundamente reparador em dizer com verdade: “Eu reconheço o que fiz. Me desculpe.”
🌱 Esse gesto, que parece tão pequeno, pode inaugurar novos caminhos nas relações — e dentro de nós mesmos.
Será que estamos prontos para essa travessia?