Profile Picture Vera Lúcia Ribeiro Psicanalista Você pode enviar sua mensagem para mim agora mesmo. Aproveite!

O vício e as camadas da queda

Você sabe o quanto seus sentimentos influenciam no vício?

 

Quando falamos em vícios é muito comum as pessoas pensarem em dependência química, como o uso de entorpecentes, só que existem diversos tipos de vícios, e todos eles têm uma raiz comportamental que está ligada à psique humana. Um vício é um comportamento repetitivo que torna a pessoa dependente, atrapalhando sua vida, podendo ser desde o consumo de alguma substância, como cigarros ou bebidas alcoólicas, ou sem o uso de uma substância, como o vício em jogos ou o consumo de pornografia.

Precisamos compreender o vício sobre vários aspectos, e não somente quando ele já está instalado. Neste artigo falarei sobre as etapas dos vícios, quando estes não pedem uma intervenção mais drástica, como uma internação por dependência química, mas sim sobre todos os processos mentais que ocorrem antes. O vício de uma pessoa é conhecido como adicção e a pessoa viciada é conhecida como adicto. Toda adicção começa com uma desorganização dos sentimentos, dos afetos, da visão que se tem do mundo e de si mesmo, tentando preencher em si algo que lhe faz falta, que não sabe exatamente definir o que é, não sabendo assim qual o meio efetivo, e onde encontrá-lo, para preencher essa lacuna. Essa desordem dos afetos pode ter sido iniciada na infância diante de humilhações, abandono, violência, falta de carinho e outros diversos motivos. Também pode nascer do contrário: de uma dose excessiva de cuidado e carinho na tenra idade, sem limites e regras impostas, que causa confusão e frustração na vida adulta, já que a realidade em sociedade se torna diferente daquela vivida na infância com todas as suas demandas sendo satisfeitas.

Pense, por exemplo, no vício em cigarros. Muitas vezes, ele pode ter início não em um desejo da pessoa pelo fumo em si, mas sim para preencher um espaço que está vazio ou desordenado naquela pessoa. O consumo pode começar simplesmente pelo desejo em querer fazer parte de um grupo, ou para tentar transmitir uma imagem idealizada de uma personalidade mais firme que ela gostaria de ter. Antigamente, quando as propagandas de cigarros eram permitidas, traziam em suas divulgações homens fortes, como cowboys, ou pessoas alegres em carros luxuosos, associando seu uso à independência e liberdade. A pessoa pode até não querer fazer uso, ou tem claro para si que o consumo não é bom para ela, mas acaba cedendo à necessidade de ser aceita por um grupo ou então de projetar características que ela gostaria de ter, mas julga não ter. Isso acontece devido a uma desorganização emocional, pois a pessoa que tem ordenado os seus afetos sabe dizer não àquilo que não deseja, sabendo que as pessoas que se importam com ela verdadeiramente não vão excluí-la por não querer algo, como um cigarro, ou que características de uma personalidade atraente são obtidas e demonstradas de outras maneiras.

Existem também os vícios que estão ligados à própria auto imagem, onde a pessoa pratica um ato pois naquele ambiente ela sente que tem, ou pode exercer, características de personalidade que ela não consegue demonstrar no meio social real. Uma pessoa que se sente confiante ao se deparar com uma disputa em um jogo, pode fazer disso uma ferramenta para ali ser, no campo da disputa, a pessoa que ela gostaria de ser na vida real, confiante e corajosa. Outro exemplo é uma pessoa muito reprimida socialmente, que sente timidez ao falar ou se relacionar com outras pessoas: essa pode encontrar na pornografia o local onde consegue viver, mesmo que artificialmente, o que deseja viver com outra pessoa, não sentindo insegurança e nem sendo julgada por quem ela é. Esses são exemplos de como vícios começam: não é pelo objeto ou prática em si, mas sim pelos afetos desordenados que encontram nesses comportamentos um campo de atuação que simula a realidade em que a pessoa quer viver, seja ser aceita por um grupo, ser autoconfiante, admirada, amada, querida e, principalmente, aceita. O tratamento psicanalítico busca compreender algumas desordens psíquicas, ajudando o paciente a se responsabilizar, compreender as suas qualidades e fazer escolhas mais conscientes para ter uma vida mais plena e com satisfação, sem a necessidade de recorrer a nenhum tipo de escapismo.

Depois de uma prática ser vivenciada por muito tempo, ela pode se converter em um vício, pois a pessoa passa a depender das sensações que sente ao fazer aquilo, não necessariamente da prática em si. Por exemplo, o vício em cigarros, quando iniciado motivado pela necessidade de aceitação do grupo, pode, com o tempo, se tornar uma prática solitária, mas que visa buscar, inconscientemente, as mesmas sensações que se sentia antes, diante do grupo. A mente humana armazena padrões de comportamento e sensações, então, diante de um incômodo, ela pode lembrar ao adicto de algo que ele pode fazer para que um incômodo ou sensação ruim vá embora, mesmo que a pessoa não queira mais, por exemplo, fumar. Isso é o que chamamos de gatilhos mentais.

A luta contra um vício tem várias etapas, e tratarei delas por camadas. A queda nunca se dá de um momento para o outro. Não é uma circunstância apenas, uma separação reducionista de onde você está ou não está. Entre a não prática do vício e a prática, há um caminho, e tenho certeza que, se você já lutou ou atualmente luta contra um vício, vai se identificar:

Camada 1: é o local onde você não vivencia o vício, onde a sua vida acontece normalmente, sem pensar nele.

Camada 2: nesta etapa é onde você pensa no vício, pode até lembrar da sensação de prazer que aquela prática traz, mas consegue olhar com isenção, fazendo o correto julgamento de quanto aquilo é ou não prejudicial a você.

Camada 3: aqui é onde a luta contra o vício começa: o disparo de um gatilho. Geralmente ele é disparado por uma sensação de insegurança, tristeza, solidão, ansiedade, raiva, decepção etc… Nesse momento, a prática daquele vício, que é algo que ao menos momentaneamente lança fora os sentimentos ruins que a pessoa está sentindo, ganha força, mesmo ela sabendo que dando vazão à prática se sentirá mal depois. Essa é a camada da luta interna onde a pessoa ainda tem chances de retroceder e evitar a prática, pois indo além dela dificilmente conseguirá retornar.

Camada 4: nesta camada você já se deixou vencer pela frustração, fazendo o julgamento de que não terá nada melhor do que a prática do vício. É um momento em que quase a totalidade das pessoas pensam, equivocadamente, que são incapazes e que a prática viciosa é algo menos incômodo do que encarar as próprias dificuldades. A pessoa decide que vai ceder.

Camada 5: essa é a etapa da queda em si, onde a pessoa acende um cigarro, pega uma dose de bebida, ou vai jogar, por exemplo. Ela tem convicção de que não queria aquilo, mas só vê naquele ato uma forma de amenizar, ao menos um pouco e temporariamente, a sua angústia.

Como você pode notar, o vício tem início em comportamentos muitas vezes inconscientes, muito anteriores à sensação que a prática do vício em si traz. O tratamento psicanalítico vai justamente compreender quais são esses fatores anteriores do paciente, ajudando-o a reorganizar os afetos e sentimentos. Algumas pessoas sentem grande dificuldade para falar sobre si mesmas, principalmente em relatar suas dores e dificuldades, algumas vezes chegando a sentir-se envergonhada. O profissional de psicanálise é preparado para ouvir, sem julgamentos, tudo o que o paciente tem a relatar. Por esse motivo, a pessoa que procura ajuda deve compreender que aquele é o local onde ela pode falar sobre tudo o que quiser, pois diante dela tem uma pessoa que a receberá com todo o afeto, tendo as ferramentas necessárias para auxiliá-la.

Se você sente que precisa de ajuda, não relute em procurar ajuda especializada, pois com certeza você encontrará o conforto e as estratégias para se libertar aos poucos de tudo aquilo que te prende, vivendo cada dia de uma forma tranquila e dedicando suas energias para aquilo que realmente importa para você!

Compartilhe

Saúde Mental nas Empresas

Uma análise profunda sobre os desafios e soluções para o bem-estar psicológico no ambiente corporativo

Vera Ribeiro

Psicanalista

Série especial com 10 artigos explorando os desafios e soluções para a saúde mental no ambiente corporativo:

• Identificação de fatores de estresse
• Estratégias de prevenção ao burnout
• Implementação de políticas de bem-estar
• Liderança e saúde mental

Política de privacidade
Este site utiliza cookies para melhorar a sua experiência de navegação. Ao continuar a utilizar este site, você concorda com o uso de cookies de acordo com esta política.