Quando falamos em “ambiente tóxico”, muitas vezes pensamos em pessoas difíceis, líderes agressivos ou colegas desrespeitosos.
Mas o que a psicanálise nos convida a perceber é algo mais profundo:
não são apenas as pessoas que adoecem. São as estruturas.
E toda estrutura tem um CNPJ.
Ambientes organizacionais não nascem tóxicos.
Eles são construídos, mantidos e perpetuados por comportamentos que se tornam norma.
A cultura tóxica não é exceção — ela é regra disfarçada
Um ambiente se torna tóxico quando o mal-estar deixa de ser exceção e passa a ser rotina invisível:
- Onde o excesso de trabalho é normalizado.
- Onde o medo é usado como ferramenta de controle.
- Onde o silêncio vale mais que o posicionamento.
- Onde o erro é punido, mas a escuta é ausente.
Tudo isso não são atitudes individuais.
São expressões de uma cultura organizacional que adoece em silêncio — e leva muitos com ela.
Toda empresa tem uma linguagem emocional — mesmo sem perceber
A cultura institucional também fala.
Ela comunica o que é permitido sentir, o que pode ser dito, o que precisa ser escondido.
E onde não se pode sentir, o sintoma aparece.
Porque o sujeito é atravessado pela linguagem, mas também pelo silêncio dela.
Empresas que negam sua linguagem emocional se tornam fábricas de sofrimento.
Cultura doente adoece até quem tenta resistir
Mesmo profissionais fortes, resilientes, conscientes, adoecem quando precisam sobreviver diariamente em um ambiente onde não há escuta.
Ambientes tóxicos produzem sintomas, afastamentos, demissões silenciosas, e uma alta rotatividade que nunca é explicada nas planilhas — mas que está diretamente ligada ao invisível da cultura.
Se a cultura não se revê, o adoecimento continua.
E tem nome jurídico: passivo emocional corporativo.
É preciso coragem institucional para rever o que foi normalizado
Reconhecer que a empresa adoece pessoas não é fracasso.
É o primeiro passo para transformar.
- Rever práticas naturalizadas.
- Refletir sobre o discurso institucional.
- Criar espaços de escuta verdadeira.
- E, acima de tudo, permitir que a saúde mental não seja tabu.
Porque se o ambiente é parte do problema, ele também pode — e deve — fazer parte da solução.
Quando o cuidado encontra espaço
Se esse tema te atravessou de alguma forma — seja como gestor, colaborador ou profissional de escuta —, que essa reflexão siga contigo.
Que a saúde mental deixe de ser silenciada.
E que o cuidado encontre, cada vez mais, espaço para existir.
No próximo artigo da série, abordaremos especificamente:
Saúde mental no contrato de trabalho: a cláusula invisível.
Vera Ribeiro – Psicanalista
Especialista em escuta clínica e institucional.