Nos últimos anos, falar sobre saúde mental nas empresas deixou de ser uma tendência e passou a ser uma necessidade — legal e ética.
A Norma Regulamentadora nº 17 (NR-17), atualizada em 2022 pelo Ministério do Trabalho, reconheceu oficialmente os riscos psicossociais como fatores a serem identificados e prevenidos pelas empresas.
Desde então, saúde mental se tornou parte das obrigações formais das organizações.
“A organização deve considerar os fatores psicossociais como aspectos capazes de influenciar a saúde dos trabalhadores, e adotar medidas para prevenir, identificar e enfrentar esses fatores.”
(Portaria MTP nº 423/2022 – Ministério do Trabalho e Previdência)
Mas aqui está o ponto central:
cumprir a lei é o mínimo. Cuidar, de fato, é outra história.
Quando a norma é seguida, mas o sofrimento é ignorado
É possível cumprir todas as exigências legais e ainda assim manter um ambiente emocionalmente insustentável.
- Aplicar formulários, mas não escutar.
- Fazer campanhas, mas não rever a cultura.
- Citar a saúde mental em reuniões, mas punir quem adoece.
Cuidar não é performar preocupação.
Cuidar é abrir espaço simbólico para que o humano exista.
O que a psicanálise nos ensina sobre o adoecimento no trabalho
A escuta clínica revela o que nem sempre as normas enxergam:
que o que adoece não é apenas o excesso de trabalho —
é a ausência de reconhecimento, o silenciamento da dor, o esvaziamento de sentido.
Cumprir a norma é essencial.
Mas a saúde mental só encontra lugar onde há espaço para o sujeito ser escutado.
Não como número. Mas como pessoa.
Empresas maduras não só cumprem. Elas acolhem.
A maturidade organizacional não está em evitar multas.
Está em criar um ambiente onde o sofrimento não precise gritar para ser notado.
Onde o cuidado não surja apenas após o colapso.
Onde a prevenção seja parte da cultura — e não uma resposta emergencial.
Cuidar é compromisso, não formalidade
A legislação pode ser um ótimo ponto de partida.
Mas é o desejo verdadeiro de transformação que faz a diferença.
A escuta precisa ser integrada, cotidiana e ética.
E isso não se escreve em cláusulas. Se constrói nas relações.
Quando o cuidado encontra espaço
Se esse tema te atravessou de alguma forma — seja como gestor, colaborador ou profissional de escuta —, que essa reflexão siga contigo.
Que a saúde mental deixe de ser silenciada.
E que o cuidado encontre, cada vez mais, espaço para existir.
No próximo artigo da série, abordaremos especificamente: Burnout não começa com exaustão. Começa com silenciamento.
Vera Ribeiro – Psicanalista
Especialista em escuta clínica e institucional.