
A adolescência sempre foi uma travessia — um tempo suspenso entre o que já não somos e o que ainda não sabemos ser. Um território marcado por descobertas, rupturas e perdas.
Há um ruído que atravessa a adolescência e não vem de fora. Ele pulsa por dentro, no corpo que muda, nas emoções que transbordam e nas palavras que ainda não encontram forma.
É nesse intervalo entre o grito e o silêncio que muitas vezes habita a dor — sutil, intensa, invisível.
“O silêncio que habita o adolescente de hoje não é vazio — é excesso que não encontrou tradução.”
Um silêncio que convive com a hiperexposição, com o excesso de estímulos, com a presença constante de imagens que tentam, sem sucesso, preencher o vazio que insiste em emergir.
É comum vermos adolescentes imersos em telas, conectados o tempo todo, mas emocionalmente distantes. Muitos adultos olham para isso com estranhamento, medo ou impotência.
E, em resposta, tentam controlar — monitoram, proíbem, interpretam.
“O excesso de controle muitas vezes revela a ausência de escuta.”
Presença que acolhe, sustenta e escuta até mesmo aquilo que ainda não foi colocado em palavras.
Há pouco tempo, ao assistir à série Adolescência, vi isso retratado de forma pungente: jovens cercados de gente, mas sozinhos; buscando amor, mas não sabendo como se mostrar; expressando dor por meio de códigos que escapam à compreensão adulta.
“Nem sempre o adolescente está em silêncio — às vezes, somos nós que não entendemos a sua linguagem.”
A série não traz respostas, mas escancara uma pergunta: o que estamos perdendo de vista?
A psicanálise nos lembra que o adolescente não é um problema a ser resolvido. É um sujeito em formação, em construção, que tenta elaborar as perdas inevitáveis da infância e o desejo ainda mal compreendido que o empurra rumo ao novo.
“Na adolescência, a dor de crescer encontra o desejo de existir — e esse encontro, às vezes, é insuportável.”
Ele testa limites não apenas por desafio, mas por necessidade de encontrar um contorno para o que sente.
Ele se isola não necessariamente por recusa, mas porque talvez não tenha encontrado um lugar de acolhimento.
“O isolamento nem sempre é fuga — pode ser um grito que ainda não encontrou alguém que o escute.”
O mais trágico é que, muitas vezes, os adultos esperam que o adolescente fale, se explique, se comporte, mas não oferecem um espaço real de escuta.
“Escutar um adolescente é, antes de tudo, suportar não saber o que dizer.”
Um espaço onde não haja julgamento imediato, onde a palavra possa surgir com tempo, com hesitação, com verdade.
“Criar condições para que o adolescente seja — e não apenas se adapte — é sustentar o nascimento de um sujeito.”
Porque por trás da apatia, da ironia, da dispersão ou da agressividade, há sempre um pedido — um pedido de reconhecimento, de pertencimento, de sustentação.
“O sintoma do adolescente é, muitas vezes, o único idioma possível para pedir acolhimento.”
Um pedido que, se ignorado, pode se transformar em sintomas que o próprio sujeito não consegue mais nomear: ansiedade, automutilação, crises de identidade, desânimo existencial.
Enquanto adultos, precisamos nos perguntar: estamos disponíveis para escutar o que os adolescentes estão tentando dizer — mesmo quando dizem com o corpo, com o silêncio, com o olhar fugidio?
“Há silêncios que só se rompem diante de quem consegue permanecer.”
A adolescência é sempre um espelho.
“Tudo o que evitamos ver nos adolescentes pode estar refletindo partes esquecidas de nós.”
A psicanálise nos convida justamente a essa travessia: a de escutar o que não é dito, de sustentar o que escapa ao entendimento imediato, de se abrir ao enigma do outro sem a pretensão de decifrá-lo por completo.
No consultório, diante de um adolescente, o analista não interpreta apressadamente, não aconselha, não fecha sentido.
Ele escuta com o corpo inteiro. E sustenta o vazio — esse mesmo vazio que tantos adultos tentam preencher com regras, pressas, diagnósticos e discursos prontos.
“A função psicanalítica é sustentar a pergunta — e não apressar a resposta.”
Porque todo sujeito, especialmente o adolescente, precisa descobrir que tem direito à própria pergunta. E que não há nada mais transformador do que encontrar alguém que escute essa pergunta sem tentar apagá-la com respostas.
Talvez o maior gesto de cuidado com a adolescência seja este: deixar que ela exista como enigma — e ainda assim permanecer presente.
Com escuta, presença e palavras,
Vera Ribeiro Psicanalista